- 01 de novembro de 2024
Eles não acham que “é dando que se recebe”. O povo trabalhador, que sobrevive de salário com carteira assinada ou na informalidade, parece ser bem mais crítico do Bolsa Família que eu. É curioso. Pobre que trabalha desconfia de pobre que vive de benefício do Estado.
Entre os que se esfolam para fazer o dinheiro chegar ao fim do mês e dar instrução aos filhos, há a crença de que só o trabalho, duro e honesto, enobrece. Um dos momentos de lazer sagrados, além da ida ao culto ou à missa, é o churrasco com a família. Só que o secretário de Política Econômica de Dilma sugeriu comer frango e ovo, em vez da carne, que subiu mais de 3%. É preciso dizer ao PT que mexer no churrasco de domingo tira votos.
Os pobres também detestam a corja de políticos que roubam. A promiscuidade entre partidos e empreiteiras, o lamaçal que transborda da estatal Petrobras equivalem a assaltar, na surdina, quem se esforça, se espreme em ônibus ou morre na fila da cirurgia. Roubar de quem tem pouco é pecado. Se esse pessoal que desvia bilhões não pagar em vida, não escapará da justiça divina.
Por que falar dos pobres? A maioria da população não é beneficiária do Bolsa Família. A maioria batalha e tem medo da carestia atual, nos alimentos e nas contas, mesmo sem entender o que significam “espiral inflacionária”, “centro da meta”, “câmbio flutuante” ou “superavit primário”.
Não podemos esquecer o recado do primeiro turno. Dos quase 143 milhões de eleitores, votaram em Dilma 43.267.668. Brancos, nulos e abstenções foram 38.797.556. Votaram em Aécio 34.897.211. Votaram em Marina 22.176.619. Uma simples soma, que se aprende no ensino fundamental, prova que 96 milhões de brasileiros estão descontentes com o atual governo (sem contar PSOL, PV e outros). Querem eleger outro presidente ou se desiludiram com o exercício da política, a ponto de não apostar em nenhum candidato.
Por que falar dessa notícia velha, agora que a eleição já está polarizada entre Dilma e Aécio, com seus aliados palatáveis ou indigestos, numa disputa que começa tecnicamente empatada? Porque o segundo turno mais uma vez investe no maniqueísmo e nas divisões simplistas. Antes, era elite branca contra miseráveis. Agora, nordestinos contra o resto do país. Isso é miséria intelectual.
Como há várias pesquisas quantitativas rolando, decidi dar uma contribuição bem modesta. Perguntei a quatro pessoas que conheço há cerca de 20 anos – porteiro, empregada doméstica, manicure e cabeleireiro – em quem votaram no primeiro turno e em quem votarão no segundo. E por quê.
O chefe dos porteiros, nascido na Paraíba, mora no prédio no Leblon, votou na Marina e votará no Aécio. Por quê? “Porque o país está muito complicado e difícil, para os pobres e para os ricos.” Por que não votar no “governo novo do PT”? “Porque lá onde nasci, vejo filas de mulheres esperando o dinheiro do Bolsa Família. Elas têm mais filhos para ganhar benefício. Mas trabalho que é bom, nada.”
O cabeleireiro, também nascido na Paraíba, veio aos 14 anos para o Rio, mora no Muzema, bairro da Zona Oeste, votou em Aécio no primeiro turno e repetirá. Por quê? “Não aguento mais tanta corrupção.” Por que não votar em Dilma? “Porque Aécio tem mais preparo para ser presidente. Não sei se vai fazer um bom governo, mas a gente não aguenta essa dificuldade toda em transporte, saúde – depois de tanto tempo de governo do PT, isso só piorou.”
A empregada doméstica, nascida na Bahia, mora em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio. Votou na Dilma no primeiro turno e repetirá. Por quê? “Minha irmã fez a minha cabeça para votar na Dilma. Nosso irmão é da Bahia e melhorou de vida com o PT. Não foi com Bolsa Família, foi com trabalho mesmo.”
A manicure nasceu em São João de Meriti, município fluminense, de pais migrantes paraibanos, mora na Rocinha, Zona Sul do Rio, votou na Marina e agora votará no Aécio. Por que não na Dilma? “Porque o PT já governa há muito tempo, está na hora de mudar um pouco e, depois de ver a roubalheira que aconteceu na Petrobras, tenho mais certeza ainda.”
Esses quatro depoimentos confirmam que os grandes temas da eleição são a qualidade de vida e a corrupção institucionalizada. Qualquer conclusão marqueteira que defina o voto por classe social ou lugar de nascimento é precipitada e equivocada. Após o pífio desempenho das pesquisas no primeiro turno, tendo a acreditar só na urna. As pesquisas deveriam ser suspensas três dias antes da votação.
Meu voto é que o Brasil melhore, seja com quem for. Que o mau exemplo não venha mais de cima. Que a propina não seja o meio oficial de enriquecer. O povo que trabalha merece mais respeito e menos sacrifício.