Índios podem ganhar indenização
Manaus- Quase 45 anos após a construção da BR-230 (Transamazônica) - projetada durante a ditadura civil-militar e que percorre desde a cidade de Cabedelo, na Paraíba, até o município de Lábrea, no sul do Amazonas - o Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) entrou com uma ação civil pública, na manhã desta quarta-feira (15), na Justiça Federal declarando a responsabilidade civil da União e da Fundação Nacional do Índio (Funai) por conta das violações dos direitos humanos dos povos indígenas kagwahiva Tenharim e Jiahui na construção da rodovia em seus territórios.
A ação pede uma indenização de R$ 10 milhões da União e da Funai, para cada uma, a ser aplicada em políticas públicas, em favor dos indígenas. Além do valor a ser pago, o MPF determina em caráter de urgência, a ser cumprido em 60 dias, medidas de preservação de locais sagrados, cemitérios e espaços territoriais fundamentais ao pertencimento aos povos Tenharim e Jiahui, conforme indicação dos índios.
“O MPF vem acompanhando a discussão dos danos e da omissão da União e da Funai, que são as rés nessa ação, em atender os índigenas e principalmente em razão de existir um território indígena que é cortado pela Transamazônica. O nosso raciocínio é que há uma limitação do usufruto dos indígenas que tem direitos aquelas terras demarcadas e que sofrem diariamente os danos da construção”, disse o procurador da República, Júlio Araújo Júnior, titular do 5º Ofício Cível, que trata dos índios e populações tradicionais no MPF/AM.
A ação é resultado do inquérito civil público aberto em 2013, após lideranças indígenas relatarem danos permanentes decorrentes da construção da rodovia. “No caso desses povos, nós verificamos a necessidade de discutir os danos decorrentes da construção da rodovia, pela violação dos direitos fundamentais, isso temos feito desde abril de 2013 e que agora gera essa ação que está sendo distribuída hoje. Temos relatos de mortes, de epidemias e de desestruturação étnica”, explicou o procurador.
Conforme Araújo, a ação foi motivada por conta do material reunido no inquérito, como entrevistas e relatos que findaram em um relatório antropológico sobre os impactos que a construção da rodovia trouxe a ainda traz aos indígenas.
Os danos citados na ação são ambientais, danos socioculturais e danos morais coletivos. Os ambientais se tratam da construção da rodovia, que ocasionaram problemas no solo, de poluição, acúmulo de lixo, retirada de vegetação, diminuição da diversidade biológica, desmatamento, queimada, invasões e alteração dos cursos d’água.
Os danos socioculturais são referentes as epidemias trazidas às tribos, desestruturação étnica do grupo, remoção de aldeias, recrutamento forçado como trabalhadores e perda demográfica. Já o dano moral coletivo, diz respeito ao sentimento geral do grupo quanto as violações causadas.
A liminar pede também medidas de segurança aos indígenas para frequentarem a escola e a universidade, por conta do início do ano letivo; a instalação de um polo-base específico de saúde indígena, com equipe multidisciplinar e o estocamento de medicamentos adequados, na forma disciplinada pela Secretaria de Saúde Indígena (SSI), no prazo de seis meses; e que em 30 dias inicie uma campanha de conscientização quanto aos direitos indígenas nos municípios de Humaitá, Manicoré e Apuí, com material didático sobre os direitos dos Tenharim e Jiahui e de sua história. Caso haja descumprimento da liminar, a Funai e a União terão que pagar uma multa diária de R$ 10 mil.
“A nossa preocupação com os impactos dessa construção durante o regime militar, que perdura até hoje. Esperamos que não se perca a memória, essa reparação pela verdade e pela justiça em relação aos povos Tenharim e Jiahui. Pedimos então um centro de memória e a publicação de material didático sobre os impactos da construção das rodovias, ressaltando as características sobre os direitos de suas terras, com ampla divulgação nos municípios de Humaitá, Manicoré e Apuí”, disse o procurador.
Os R$ 10 milhões em indenização devem ser aplicados em políticas públicas, que será definida pelas próprias comunidades. Além disso, a ação determina medidas permanentes para preservar locais sagrados; cemitérios e espaços territoriais importantes ao sentimento de pertencimento dos povos; reforma das escolas indígenas; construção de novas escolas; contratação permanente de professores e desenvolvimento de processos próprios de aprendizagem.
Conflitos na região
As medidas de caráter liminar, segundo a ação, foram motivadas por conta dos últimos conflitos ocorridos em Humaitá, Manicoré e Apuí desde dezembro de 2013, quando um indígena morreu e em seguida três pessoas desapareceram quando se dirigiam de Humaitá à Apuí e passaram pelo território indígena.
Paralela à discussão, veio a tona a cobrança ilegal de pedágio dos veículos que passam pela reserva indígena. Atualmente, há quase um mês, os índios tenharins estão isolados nas aldeias, impedidos de cobrar o pedágio na BR-230 e impossibilitados de se deslocar até a cidade. Eles estão dependentes da assistência do governo federal. Por conta desse isolamento, após o MPF/AM recomendar no último dia 3 apoio médico e alimentício aos índios, a Funai tem dado assistência necessária aos indígenas.