- 26 de novembro de 2024
Há dados que podem pôr
em risco segurança do país
FELIPE SELIGMAN
Folha de S. Paulo
Em uma das poucas entrevistas concedidas desde que assumiu a presidência do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Cezar Peluso, 68, disse que o sigilo de determinados documentos é necessário para preservar a "segurança do Estado" e fez enfática defesa de reuniões fechadas entre os ministros antes das sessões públicas.
Ele recebeu a Folha em seu gabinete na última quarta-feira, quando afirmou que a chamada PEC dos Recursos- proposta de emenda constitucional de sua autoria que considera transitadas em julgado ações examinadas em segunda instância- é uma proposta "de caráter pessoal", e não do Supremo.
Peluso também avaliou que o mensalão é "o processo mais complexo que o STF já teve".
Folha - Outros ministros do Supremo ficaram desconfortáveis com sua proposta para que os recursos percam o efeito suspensivo após a segunda instância. O sr. chegou a consultá-los?
Cezar Peluso- Por escrito. Mandei o texto para eles, pedindo sugestão. O único que respondeu, embora discordando, foi o ministro Marco Aurélio. Jamais usei o nome do Supremo para defender essa PEC [Proposta de Emenda à Constituição], que é de caráter pessoal.
O que o sr. acha que aconteceria se, após aprovada, ela fosse questionada no STF?
Isso não sabemos. Mas não tenho nenhum receio.
O sr. acredita que os tribunais estão preparados para essa responsabilidade?
Os tribunais hoje têm potencialidade de responder a essa expectativa. A tarefa deles será facilitada pelo maior cuidado com que as partes vão cuidar de suas causas. A sociedade vai ficar de olho nos tribunais, mais que hoje.
O processo do mensalão no Supremo está célere?
É o processo mais complexo que o STF teve. São quase 40 réus, com advogados diferentes. Só para a sustentação oral, cada um deles pode gastar uma hora. Isso significa que, só de sustentação oral de advogados, teremos 40 horas no mínimo.
Há risco de alguém se livrar de uma eventual condenação por prescrição?
Acho que o ministro relator está muito atento a isso. Se ele tivesse vislumbrado algum risco, já teria antecipado alguma coisa. Ele está conduzindo com a tranquilidade de quem não está correndo risco de prescrição.
Mas advogados estão fazendo de tudo isso ocorrer, não?
Os advogados lançam mão de todos os expedientes e recursos permitidos.
E isso é válido?
Se o sistema permite, o advogado que não usa pode ser acusado de negligência.
Pouco antes de assumir a presidência, o sr. afirmou que defenderia a redução das férias dos juízes, de 60 para 30 dias. O que aconteceu?
Já fui ao Senado, já respondi em audiência pública sobre isso. Tem um projeto que está lá para ser analisado.
Sua posição continua igual?
A mesma. Eu acho que o juiz brasileiro trabalha muito. Acontece que a sociedade hoje é tal que soa como um privilégio [as férias de 60 dias] e isso não é bom para o prestígio da magistratura. Eu acho que férias de 30 dias é o ideal. Mas, pensando sobretudo nos advogados sugiro que haja 30 dias de férias para o juiz e, para todos, tem que haver um período de recesso onde os próprios advogados possam ter férias.
Quanto tempo de recesso?
De 20 dias seria ótimo, 20 de dezembro a 10 de janeiro.
Um juiz goiano anulou a união de um casal gay e criticou a decisão do STF. Como o sr. vê essa decisão?
Como tese, as decisões que pela Constituição são vinculantes têm que ser observadas pelo juiz. O que os juízes podem fazer é dizer: "Não concordo com a decisão do Supremo porque não acredito que foi a melhor interpretação, mas sou obrigado a cumprir, portanto aplico". A crítica intelectual é válida. As decisões de qualquer tribunal são sujeitas à crítica. Mas, no plano da obrigatoriedade, não pode haver discussão.
Sobre a marcha da maconha, o STF não entrou no mérito da discussão. O sr. acredita que a discussão deve ocorrer?
Sim, é uma discussão velha. Há mais de 20 anos, eu estive num simpósio onde vi acadêmicos sustentarem que a melhor maneira de combater o tráfico de entorpecente seria a liberação do seu uso.
O sr. concorda?
Não sou capaz de dizer se isso é uma coisa ruim ou boa. Precisa ser estudado com muito cuidado.
O sr. já teve contato com maconha?
Vou lhe contar uma experiência para te dizer que nunca tive. Uma vez na PUC me disseram: "Professor, o sr. passou ali no meio agora pouco, não viu dois caras fumando, lá?". Eu falei: "Vi dois caras fumando, sim". Aí disseram: "O sr. não sentiu cheiro de maconha?". E eu respondi: "Nem sei qual é o cheiro da maconha" [risos].
O ministro Celso de Mello defendeu a discussão sobre legalização da maconha para fim religioso. O sr. concorda?
Tenho minhas ressalvas, o uso religioso pode ser a aparência. Seria uma bela maneira de contornar lei.
O sr. propôs que haja reuniões fechadas entre os ministros do STF para discutir julgamentos. Por quê?
Essa possibilidade de discussões prévias, de trocas de ponto de vistas num ambiente mais informal, sem assistência, sem público, ajudaria muito. Uma coisa é eu estar conversando com você. Outra coisa é eu estar no Pacaembu e todo mundo ver o que estamos conversando. Seriam reuniões preparatórias, que não são incompatíveis com a Constituição.
O que precisa ser feito na prática para isso acontecer?
Simplesmente que a gente concorde em criar uma emenda regimental que permita sessões reservadas preparatórias de decisões administrativas e jurisdicionais. Nada se vai decidir ali. Serão apenas troca de ideias, preparar uma decisão futura.
Poderia ter evitado o impasse sobre a Lei do Ficha Limpa?
Poderia ter evitado um monte de coisa.
O que sr. pensa sobre o sigilo eterno de documentos?
É uma questão delicadíssima, que deve ser decidida pelo Legislativo e pelo Executivo. Mas há certos dados sigilosos que podem pôr em risco a segurança do Estado, que tem o direito de preservar sua segurança e não trocá-la pela pretensão da mera divulgação. O problema é que não apenas o povo fica sabendo tudo, mas os inimigos do Poder e do país também. Isto pode botar em risco a segurança. Tanto o Executivo quanto o Legislativo têm que lidar com tranquilidade, procurando compatibilizar a aspiração legítima da sociedade e a preservação daquilo que seja essencial para resguardar a segurança do Estado onde a sociedade vive.