- 26 de novembro de 2024
Sarney e Collor, os
paladinos da moralidade
O presidente do Congresso, José Sarney, mais uma vez volta à mídia em defesa do que lhe parece circunstancialmente favorável. No começo deste mês, ele decidiu retirar de uma exposição daquela Casa o painel que fazia referências ao processo de impeachment de seu ex-desafeto e agora aliado e amigo, Fernando Collor de Melo, alegando não ser um acontecimento importante para a história do Brasil. No mesmo dia, após pressões da opinião pública e repercussão da imprensa, o velho cacique maranhense voltou atrás.
Está em tramitação no Congresso, a princípio em caráter de urgência, o Projeto de Lei Geral do Direito à Informação, que prevê o fim de sigilo eterno para documentos públicos do governo brasileiro, que abrangem, inclusive, o período da ditadura (1964-1985). Ao lado de quem estava, àquela época, o hoje senador peemedebista José Sarney, agora paladino da democracia e governista roxo? Seria ao lado dos ditadores ou dos que lutavam pela democracia?
Da mesma maneira que tentou “apagar” a fase final do governo Collor, Sarney agora sai em defesa da manutenção do sigilo dos documentos, alegando que aqueles referentes às fronteiras com outros países poderiam causar crises diplomáticas e reacender antigas disputas com vizinhos como Peru e Bolívia. Em um primeiro momento ele se referiu de forma genérica ao projeto, afirmando que mexer nesse lado obscuro da história seria uma “abertura de feridas”. Depois, tentando amenizar, disse ter se referido apenas aos documentos que tratam da definição de fronteiras.
A intenção do senador é dúbia. Como sempre, Sarney, ao tentar suavizar mais uma de suas declarações, tenta jogar com a opinião pública e desviar o foco das pressões que ele e Collor têm exercido sobre o governo Dilma para que sejam feitas alterações no projeto. Para atravancar ainda mais, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), solicitou a retirada da tramitação em caráter de urgência.
Será que esses nobres senhores e tantos outros que estão no poder, e estiveram lado a lado com a ditadura, têm algo a esconder? Será que para Sarney e seus acólitos essa parte da história do País também não tem relevância? É, no mínimo, de se estranhar que aqueles que vêm a público falar em prol da liberdade de imprensa e de expressão, quando confrontados pela mídia e pela opinião pública, queiram vetar ou restringir o acesso a informações que deveriam ser de conhecimento público. Quais são essas velhas feridas que tentam esconder indefinidamente?
Note-se que o engavetamento se deu por pressão de Sarney e Collor, este último presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, responsável pela papelada da Lei que trata do acesso à informação. Dilma Roussef, a princípio favorável à abertura dos documentos ao público, recuou para atender às solicitações dos imaculados ex-presidentes. Com a revisão do projeto sob a égide do collorido senador, acredita-se que a indefinição continuará por um longo período.
O debate gira em torno da duração do sigilo dos documentos, se eterno ou limitado a 30 anos, quando forem ultra-secretos, com possibilidade de renovação ilimitada, como trata a legislação atual. Uma das mudanças propostas pela Câmara é alterar o prazo para 50 anos.
É compreensível que Sarney e Collor se preocupem com a possível liberação de documentos referentes, também, aos seus respectivos governos e aleguem que não há necessidade de revelar atos do período em que eram presidentes, pois isso “colocaria em risco a segurança do serviço de inteligência do País”. Quem tem “culpa no cartório” não luta por transparência e nem tampouco tem compromisso com a verdade.
Os grupos políticos aos quais esses senhores pertencem e seus laços familiares se misturam ao período da repressão. Desenterrar os “podres” poderia manchar a biografia desses dois grandes políticos, que sempre zelaram pelo bem público e se preocuparam com a estabilidade do Brasil e com a moralidade na política. Talvez, eles realmente acreditem na pureza de seus atos.
Precisamos estar atentos às repetidas tentativas de alguns “senhores feudais” que insistem em mudar o curso natural da história e modificá-la a seu bel-prazer, mostrando aquilo que eles acham conveniente e escondendo o que lhes incrimina, tentando nos “empurrar” limites que ferem os interesses democráticos e recrudescem o ranço de um período em que cassetetes e tortura “falavam” mais alto do que as vozes dissonantes.
É preciso, sim, refrear os arroubos ditatoriais daqueles que tentam, a todo custo, se manter no poder e levar adiante a sua “tradição” familiar. Enquanto não debelarmos (democraticamente, claro!) esses coronéis da política nacional, estaremos sujeitos às suas defesas figadais de assuntos nada republicanos e correremos o risco de que nosso atraso político seja eterno assim como eles querem que seja o sigilo dos tais documentos.