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Júlio Martins

Roraima e a Roma antiga


\"\"Roraima e a Roma antiga

Quem pensa ter sido o Império Romano obra unicamente da força das armas, longe está da verdade histórica.

Foram as águias de Roma, não há negar, que fizeram a guerra e a conquista, graças à formação, à disciplina das legiões e ao valor individual do soldado romano. Os velhos legionários, aliás, orgulhavam-se de possuir mais cicatrizes do que veneras e condecorações.

Porém, a força invencível e eterna da cidade que, depois, veio a ser assim chamada, não estava em seu poderio bélico, mas na legitimidade de sua organização política, na ordem social e econômica da “pax” romana que baniu a pirataria, a rapinagem e garantiu as rotas do comércio e, acima de tudo, na perene vitalidade do gênio latino, ainda mais enriquecido com a contribuição da cultura grega. De fato, essa supremacia intelectual e moral sobressaía no meio do mundo bárbaro, do mesmo modo como, numa serrania, um pico culminante entre os acidentes inferiores.

Foi ela que garantiu a permanência do grande Império, indiviso e íntegro, por mais de quinhentos anos (29 A.C. a 476 da Era Cristã) e, mesmo depois da queda final, preservou, séculos afora, a influência hegemônica do pensamento, da língua e das tradições grecolatinas na civilização ocidental. Foram os seus artistas, poetas e prosadores que serviram de modelo para estabelecer os padrões de beleza clássica ainda hoje vigentes. Dos seus majestosos monumentos arquitetônicos perduram ruínas, que nos dizem, em sua eloqüente mudez, algo da grandeza do vasto império. Santo Agostinho, que viveu no ocaso do império e viu de perto os seus últimos lampejos, dizia serem três os momentos de maior esplendor da história humana: “Christus ambulante, Paulus praedicante et Roma triumphante”.

Mas, o que de mais notável nos deixou a Roma antiga, onde é possível sentir o puro perfume da latinidade, é, sem dúvida, o seu corpo de leis, muitas das quais ainda hoje nos governam. Quando no resto do mundo imperava a barbárie, cujas únicas leis conhecidas eram as da selva ou a de Talião, os romanos chegaram ao requinte de fundar o direito civil, o direito penal, de erigir instituições políticas respeitáveis, de inventar o sufrágio popular e, com ele, o senado, o município, de conceber direitos e garantias individuais, de proibir a tortura, de promulgar normas de administração pública, como o “aerarium” e o “fiscus”, para coibir a corrupção e tantas outras leis dignas do moderno estado democrático de direito. Certamente não por acaso um dos seus maiores homens públicos foi um advogado: Marco Túlio Cícero. Paladino da justiça e da verdade, com ele a tribuna forense chegou a sonoridades e altitudes raramente alcançadas na idade moderna. Mas foi ainda maior na coragem em denunciar os crimes dos poderosos e em defender os injustiçados e perseguidos. Por tudo isso e mais a vastidão do intelecto, Cícero pode bem ser apontado como o exemplo mais completo tanto do gênio latino, como do “civis romanus”.

Em Cícero e em outros luminares do direito romano, como em fonte inesgotável, abeberam-se há séculos os estudiosos da ciência do direito no mundo todo e mais ainda entre nós, que somos herdeiros e derivados da língua e da cultura latinas. Os preceitos e postulados latinos, talvez pela força da concisão própria do idioma, servem, ora de síntese, ora de tema a muitas questões dos diversos ramos do direito. Existem milhares deles, mas um pelo menos vale a pena ser citado, tendo em vista a presente situação política de Roraima.

O TRE resolveu punir o governador Anchieta Junior, segundo o que foi noticiado, pelo uso indevido da Rádio Roraima, de propriedade do Governo do Estado. Pouco importa não tenha sido o próprio Anchieta o autor do ato impugnado. Pouco importa seja a rádio pouco ouvida, sobretudo na capital, onde se concentram quase 70% do eleitorado. Pouco importa seja o fato relativo ao primeiro turno, onde Anchieta foi derrotado, sendo, portanto, de pouca ou nenhuma relevância no segundo turno e no resultado final da eleição. Pouco importa a exigência de compatibilidade entre a gravidade do delito e o grau da pena. O que se viu foi simplesmente o seguinte: para uma infração mínima, a pena máxima. Mas o maior absurdo ainda não é esse.

Ao determinar a posse imediata de Neudo Campos, o TRE ignorou as dezenas de processos (segundo a “Folha de São Paulo” desta semana, “22 inquéritos e ações penais no STF, a maioria por desvio de verba pública e formação de quadrilha”) contra ele em curso no âmbito do Poder Judiciário, do qual faz parte o TRE. Ora, ignorar, no caso, equivale a obliterar, elidir e absolver.

Nesse caso, os cinco juízes do TRE, que assim procederam, passam a ser alvo de todo o rigor do preceito latino, acima mencionado, que reza: “IUDEX DAMNATUR UBI NOCENS ABSOLVITUR”. (O juiz é condenado quando o culpado é absolvido).

*Ex-prefeito de Boa Vista

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