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Aroldo Pinheiro

Sem medo de lutar


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No último ajuste de secretariado, o governador do Estado, José de Anchieta, colocou o ex-deputado Márcio Junqueira na presidência do Iteraima (Instituto de Terras de Roraima). Pessoa certa no lugar certo?
Na sala de espera, quem ouve a voz alta e forte pensa tratar-se de acalorada discussão. Dentro do gabinete, o presidente desvia a atenção dada a visitantes, volta-se para uma auxiliar e fala: "Temos que fazer modificações por aqui. Não faz sentido o público subir escadas enquanto o pessoal de serviço interno trabalha aqui embaixo. Se chegar um deficiente físico, como ele será atendido?" Este é o estilo Márcio Junqueira de administrar. A cabeça do novo comandante do Iteraima (Instituto de Terras de Roraima) não para. Ansioso, ele não deixa de ver pequenos detalhes e, na hora, quer resolver problemas que o incomodam.

O nervosismo de assessores é notório. Pessoas que esperam para ser atendidas absorvem o clima. Ali, alguns trazem currículo e buscam uma vaga no órgão, outros, como aves de rapina, trazem propostas para tirar vantagens da nova administração, uns poucos vêm parabenizá-lo, jornalistas esperam para entrevistá-lo. Márcio faz questão de atendê-los. Um por um. Certa vez, declarou: "Gosto do contato com gente. Gosto dessa multidão de manhã cedo à minha porta. Se posso fazer algo, faço; se não posso, não enrolo".

De repente, se levanta, vai até a porta e convida uma repórter para entrar. Aos técnicos com quem se reunia determina: "Desculpem, mas nós já tratamos sobre tudo o que tínhamos para tratar. Vamos à ação. Agora, preciso de tempo para atender o pessoal da imprensa, que está me esperando desde cedo".

A jornalista puxa a caderneta de anotações e faz uma pergunta. Márcio discorre sobre o assunto. Falante, raciocínio rápido, de uma só tacada, ele vai apresentando respostas para alguns outros assuntos que a repórter pretendia abordar. A esfera da caneta desliza rapidamente, anotando as informações passadas pelo entrevistado. Ditaticamente, o presidente fala sobre planos e metas para as questões fundiárias do Estado.

Durante a explanação, Márcio se levanta, vai até o mapa que está na parede e, demonstrando conhecimento sobre a geografia de Roraima e os problemas de cada uma de suas regiões, aponta e mostra propostas para resolvê-los.

Empolgado, Junqueira pergunta: "Quem imaginaria que alguém fosse se levantar para, mais uma vez, questionar a União sobre a questão Raposa Serra do Sol e outros parques e reservas que solaparam nossas terras?" Sorri e responde. "Não pense que estamos querendo reverter o que foi feito. O que está feito, bem ou mal, está feito. Nós queremos a contrapartida. Queremos o que nos é de direito. Nossa próxima luta será produzir em cima do que nos restou".

Sem se dar conta que está em ambiente fechado, com ar condicionado, ele acende um cigarro de palha, puxa uma baforada, e prossegue: "Estamos com um projeto que começa com o georreferenciamento. Custará R$ 29 milhões. A contrapartida do Iteraima é cerca de 10%, o restante será bancado pela União. Com esse levantamento, teremos um raio X do Estado. Saberemos o que pertence aos índios, o que pertence ao Exército, que áreas serão destinadas a assentamentos, onde estão as fronteiras, além de identificar as características ambientais de cada ponto de Roraima".

Como se estivesse com microfone na mão, diante das câmeras da Rede TV, gravando para seu programa semanal "Sem medo de lutar", ele dispara. Temos que acabar com a prepotência desse pessoal do ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Se não tomarmos conta do que é nosso, com projetos viáveis, eles tomam nossas áreas".

O presidente do Iteraima tira mais uma baforada. Na falta de um cinzeiro, apaga o cigarro numa garrafinha vazia de água mineral e continua: "Hoje de manhã, nós tivemos uma reunião com o pessoal que foi retirado da Reserva Serra Raposa do Sol. A situação dessa gente é triste. Pessoas que viveram ali a vida inteira, que receberam terras de avós ou bisavós estão jogadas à própria sorte pela periferia da cidade. Uma das determinações do governador Anchieta é devolver dignidade a esse povo. O Iteraima executará os planos ".

Emocionado, o novo presidente do Iteraima fala sobre o clima e as peculiaridades do Tepequém. Diz que há planos de, com apoio técnico especializado, vontade de trabalhar dos agricultores e determinação do Governo do Estado, transformar a região num grande pólo de produção. E sonha: "Em pouco tempo, nós vamos comer morangos produzidos em Roraima".

Antes de dar a entrevista por encerrada, Márcio Junqueira resigna-se e, ao mesmo tempo, se obriga: "Estou conhecendo o Iteraima, levantando quadro de pessoal, veículos, equipamentos. Depois do diagnóstico, que deve ser feito em tempo recorde, proporemos modificações e apontaremos prioridades. Estamos dando os primeiros passos, mas logo o Estado retoma a vocação e se dedica ao agronegócio.
 

Roraima, última parada

Nascido de família humilde em Planaltina, uma das cidades mais distantes de Brasília no Distrito Federal, Márcio Junqueira, segundo de quatro filhos, 43 anos, foi engraxate e vendedor de rua. A ânsia de fazer a vida trouxe-o para a Amazônia. Planejava passar por Roraima, cruzar a fronteira com a Venezuela, atravessar a América Central e, pelo México, chegar aos Estados Unidos. Faria fortuna na terra de Tio Sam e voltaria para o Brasil, onde ofereceria melhores condições de vida aos familiares e investiria na iniciativa privada.

A vida tem seus reveses. Em Roraima, Márcio descobriu que "o buraco era mais embaixo". Ante dificuldades para dar prosseguimento aos planos, logo, estava cavando grotas em terras macuxi. Ficou. Os EUA deixaram de ser meta. Circulando de barranco em barranco e de baixão em baixão, tornou-se profundo conhecedor do estado mais setentrional do Brasil.

Com a proibição de garimpagem, resolveu arriscar no Suriname. Foram anos de sofrimento. Apesar de dono de suas máquinas e chefe de equipe, não conseguiu tirar da terra a tão almejada independência financeira. Quando adolescente, Márcio partcipou de movimentos estudantis. O trato com os mais humildes e a luta pelos mais fracos levaram amigos a incentivar seu ingresso na política.

De volta a Roraima, aliado do empresário Moisés Lipnik, Márcio comandou polêmico programa de rádio. Nele, atacava os desmandos de governos e registrava reclamos da população. Trabalhando na campanha de Lipnik para a Câmara Federal, Junqueira aprendeu as manhas da política e tornou-se o homem de confiança do deputado eleito.

Moisés Lipnik morreu. O planaltinense, reunindo conhecimentos adquiridos sobre o Estado, a maneira de lidar com o povo, a facilidade de comunicar-se e os meandros político-partidários, lançou-se candidato e, em 2006, com apoio de Ottomar de Sousa Pinto, foi o deputado mais votado em Roraima.

Adversários dizem que Junqueira usou os mais fracos, fomentando a indústria de invasões, para eleger-se. Ele não se incomoda. "Você não conhece o que eu conheço. Qualquer pessoa de bom senso faria o que eu fiz para dar um pedaço de terra e um cadinho de dignidade a este povo", afirma.

Ao longo do mandato, ele protagonizou muitos casos polêmicos. Defensor inconteste da produção e crítico da maneira que foram conduzidos os processos de demarcação e consequente desintrusão de terras indígenas, usou o plenário da Câmara e seu programa televisivo "Sem medo de lutar" para tentar conscientizar autoridades e população.

Em 2010, Márcio não se reelegeu. Fiel escudeiro na campanha para reeleição de José de Anchieta ao Governo do Estado, teve seu valor e sua plataforma de luta reconhecidos e utilizados para justificar nomeação à presidência do Iteraima.

Há menos de um mês na pasta, o ex-deputado promove modificações no Instituto e, com projetos exequíveis pretende beneficiar aqueles que precisam de casa para morar e terra para produzir, pretende ajudar no desenvolvimento do Estado.

 

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