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FRANCISCO ESPIRIDIÃO

Replay de um filme com final trágico


Replay de um filme com final trágico

As Escrituras Sagradas contam, no primeiro livro – Genesis –, a decisão de Deus diante da dissolução a que o homem se predispôs. O dilúvio devastou a face da terra, escapando com vida apenas aqueles que acreditaram na Palavra, a saber, Noé e sua família. A reboque, mais um casal (macho e fêmea) de cada espécie de animais viventes.

Ao fim daquele episódio, Deus firmou um pacto com a humanidade: não repetiria tal feito, ou seja, a chuva não mais cairia indistintamente a fim de devastar a totalidade dos seres humanos. Mas não negou que ela pudesse continuar a cair, como realmente ocorre, esporadicamente e em determinadas regiões por vez.

O inusitado é que uns povos aprenderam a se defender de sua fúria ao longo dos tempos. Outros, nem tanto. A prova é que o Rio de Janeiro amarga hoje quase 700 mortos, sem contar os desaparecidos, em decorrência da chuva. Isso tudo em uma semana. Já os australianos, submersos desde dezembro passado, choram apenas 20 mortos e cerca de dez desaparecidos.

A diferença de um e de outro é a seriedade com a res-publica, como diria Platão. Lá, trabalho de prevenção é levado a sério, enquanto aqui tudo é feito na base do vamos-ver-o-que-dá-pra-fazer. Depois. Aqui, a Defesa Civil tem à frente militares. Não que eles sejam mais competentes que os civis, ou vice-versa. O xis da questão é o paradoxo.  

Tragédias climáticas podem acontecer a qualquer momento e em qualquer lugar, seja no Primeiro, Terceiro ou Quinto Mundo. Cabe, no entanto, ao Estado prevê-las. Com planejamento e estrutura apropriados, perdas de vidas seriam mínimas. As materiais, essas se resolvem com o tempo.

O que não dá mais é assistir pela TV repórteres chorando, emocionados, defendendo o governo, ao afirmar que tudo foi culpa da maior enxurrada que já desabou sobre o Rio de Janeiro.

O que não dá mais é assistir na TV o governador Cabralzinho se derramando em lágrimas pela possível perda de recursos do Pre-sal, enquanto não se constrange em pôr a culpa nos ocupantes das encostas mortos. (Bem feito!, dirá)

Aliás, ontem Cabralzinho mudou o discurso: a culpa é dos governantes que, segundo ele, há mais de 30, 40 anos não se preocuparam com a questão. Fala como se ele próprio não estivesse já há 30 anos militando em postos chaves da política carioca e brasileira. Cara-de-pau!

O governo federal, assim como o do Rio de Janeiro, está mais preocupado com a perfumaria do que com o que verdadeiramente importa: as vidas que se perdem sem ter ninguém para chorá-las.

 Entra ano e sai ano e nada se faz. Mas o povo, ah, esse sim, é competente. A prova é que sempre os mesmos políticos são eleitos, apesar de já terem dado sobeja prova da incompetência. E, em muitos casos, da sanha corrupta.

Os flagelados do Rio creem mesmo que a culpa é deles próprios. E são gratos a Lula, à dona Dilma, ao Cabralzinho... A culpa é da chuva. Nós merecemos!

Esse é um replay de um filme de terror, muitas vezes visto, onde quem sempre morre no fim é o povo.

Francisco Espiridião é jornalista; e-mail: [email protected]

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