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FRANCISCO ESPIRIDIÃO

Tragédia carioca, fruto da corrupção


 Tragédia carioca, fruto da corrupção

João Damasceno Chagas, 19 anos, embarcava de Porto Velho para o Rio de Janeiro no início do mês de janeiro de 1966. Passaria a viver com o padrasto, a mãe e demais irmãos por parte de mãe, os quais sequer conhecia.

Jovem, cheio de vida, João fora criado desde os dois anos de idade sem a presença da mãe, apenas por meu pai, também pai dele, viajando por rios e igarapés perdidos em meio aos seringais acreanos. Regatão era o ofício do meu pai, na época. 

João acabava de dar baixa do Exército, onde prestara o serviço militar obrigatório. Lembro-me quanto foi difícil para o “Velho” aceitar a separação do filho que criara sozinho, com tantas dificuldades, por mais de oito anos. Depois, deu-lhe madrasta, a minha mãe. 

Maior sofrimento, no entanto, foi receber, em fevereiro daquele mesmo ano, a notícia fatídica: o menino havia sucumbido, juntamente com tantas outras pessoas, em meio aos desmoronamentos de morros, tal qual a tragédia que ora se repete, ainda que em menor intensidade naquela ocasião.

A fábrica de moer gente chamada desmoronamentos nas dependências geográficas do estado do Rio de Janeiro – antes RJ e Guanabara, distintos –, não é coisa nova. Este ano, extrapolou. Mais de 520 mortos segundo levantamento do meio dia desta sexta-feira.

O questionamento que se faz é: por que esse fenômeno climático tem que sobrepujar a competência das autoridades a ponto de não se evitar as mortes, vez que são todas plena e previamente anunciadas? A resposta se resume numa única palavra: corrupção.

Aí vem aquela lengalenga de que as pessoas se instalam voluntariamente nos locais mesmo sabendo tratar-se de áreas de extremo risco. Tautologia descabida. Em muitos casos, as pessoas voltam para as áreas de risco, não porque não tenham para onde ir, mas por ser cômodo.

Um exemplo é o Beiral, em Boa Vista. Aquela gente já chegou a ser retirada dali e ganhou terreno com casa em outros locais. Venderam, e retornaram às habitações inóspitas do bairro que faz confluência com a área central da cidade.

O pior é que nas encostas do Rio não se planta apenas casebres. Se as autoridades fossem realmente sérias, teriam condições de impedir que tais áreas fossem ocupadas. Se não o fazem é porque estariam criando problemas para si próprios: detonariam a estrada que leva à corrupção.

A presidente Lula, digo, Dilma Rousseff, ao visitar nessa quinta-feira as áreas atingidas, anunciou, juntamente com o governador Cabralzinho, a inserção de 1 bilhão de reais para a construção de novas moradias para abrigar as pessoas que habitam tais áreas.

Quanto desses recursos será de verdade aplicado nas medidas de saneamento e no Programa Habitacional Morar Seguro? Se a situação for resolvida de vez, nos próximos verões não haverá como se meter a mão na “bufunfa” que abunda em períodos de calamidades.

Ah, voltando ao caso do Beiral: por que as pessoas retornam àquela região pouco recomendável eticamente falando? Porque as autoridades permitem. Não fosse assim, fariam como se fez com a questão do trânsito em Boa Vista.

Quantos motoqueiros andam por aí sem capacete? E olha que não há nada mais inconveniente que o uso do tal equipamento obrigatório. Dá dor de cabeça, aumenta a coceira com a proliferação de caspas, tira a atenção, sem falar em outras dificuldades. Mas todo motoqueiro usa.  

A exemplo deles, no Rio também poderia ser intensificada a vigilância sobre as áreas de risco. As pessoas plantam suas casas ali simplesmente porque as autoridades permitem. Meios para impedir existem. Porém... é-lhes conveniente? Eis aí o busílis.

Francisco Espiridião é jornalista; [email protected]

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