- 26 de novembro de 2024
A natureza da culpa
SÃO PAULO - Autoridades adoram repetir que tragédias, assim como acidentes de avião, nunca têm uma única causa. Seriam resultado de uma soma inesperada de fatores.
Após cada temporal, os políticos, por motivos conhecidos, carregam nas tintas do imponderável. "Nunca choveu tanto", "a água dos rios atingiu volume recorde", "fomos pegos de surpresa": desculpas que tratam os cidadãos em pleno século 21 como se não passassem de reféns indefesos da natureza.
Mas mesmo grandes acidentes de avião, quando examinados em minúcias, mostram que defeitos menores não resolvidos desencadearam catástrofes. Uma peça mal projetada, um parafuso não apertado -várias vezes percebe-se que a negligência humana foi a principal razão de enormes desastres.
À custa de centenas de mortes e prejuízos incalculáveis, impõe-se outra vez a dura realidade: o descaso do poder público é o fator primordial a explicar a dimensão dos estragos causados pela chuva não apenas no Rio, mas também em São Paulo, Minas e país afora.
Isso é tão certo quanto é falacioso dizer que os danos atingiram indistintamente ricos e pobres. A dor de quem perdeu um parente sempre será lancinante e motivo de igual respeito de todos, mas o balanço geralmente indica que a maioria das vítimas é gente humilde.
A única diferença que verdadeiramente desaparece é entre os que governam o país no mínimo há quatro décadas. Foram eles que autorizaram e incentivaram ocupações desordenadas, viram proliferar áreas de riscos, desviaram ou deixaram de usar verbas de caráter preventivo e engavetaram promessas assim que as águas refluíram.
PT, PSDB, PMDB, DEM e os demais partidos são igualmente culpados por tragédias como a atual. Por ação, por omissão, quando não pela combinação de ambos. Enquanto inexistir punição para a cadeia de desmandos, é perda de tempo traçar prognósticos favoráveis.