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JÚLIO MARTINS

NUNCA MAIS


\"\"NUNCA MAIS

A propósito da eleição passada, lembrou-me o poema famoso de Edgar Alan Poe, intitulado “O Corvo”. Apesar do título nada poético é considerado obra-prima da literatura universal.

Em versos onde se avizinham o belo e o horrendo, o sublime e o grotesco, o “poet maudit” das letras norte-americanas, mas também a sua expressão mais alta, narra o drama de um homem destroçado pela dor esmagadora da morte da mulher amada.

Numa noite fria e tempestuosa de inverno, no paroxismo do desespero, no fundo de um abismo de saudade e solidão, ele ouve bater à porta de mansinho. Um raio de esperança atravessa o negror da noite. De repente, parece até que se acalma a tempestade; tanto a que, fora, açoita as árvores do jardim, como a que, dentro, lhe devasta a alma atormentada. Certamente, àquela hora tardia, alguém vem trazer-lhe o bálsamo de uma palavra amiga, o lenitivo de um terno abraço.

Abre a janela cautamente e procura em vão enxergar através da sombra espessa que assombra e amedronta. Em vez do vulto amigo, o que aparece subitamente, vindo do fundo das noturnas plagas ou das trevas sepulcrais, é um pássaro negro como a noite e soturno como um pântano sem fim.

Então, batendo as asas com estrondo, entra o corvo escuro, obscuro e vai pousar em cima do busto de uma deusa grega, onde começa a grasnar e a repetir, sem pausa nem fadiga, estas sílabas fatais: “Nunca mais.” Atônito e a tremer, aquele pobre homem logo atribui ao corvo poderes sobrenaturais. Chama-lhe profeta ou demônio e, não obstante, busca nele encontrar refúgio e repouso para a sua infinita dor. Mas, a todas as indagações da sua alma torturada, o corvo responde sempre, sem cessar, com o estribilho infernal, que passa a martelar impiedosamente aquela mente exausta e vem a ser, por fim, o seu maior e verdadeiro martírio: “Nunca, nunca mais”. Os críticos sempre extraíram desses versos implicações filosóficas e morais. O tema é a irreversibilidade do tempo e a finitude dos homens e das coisas, postulados que, como se sabe, são os dois magnos fundamentos da verdadeira sabedoria ou da ciência de viver harmoniosamente a vida. Os budistas dão a ambos um sentido unívoco, condensado num único vocábulo e chamam de “impermanência”.

Pois bem, por menos que pareça, essas questões têm tudo a ver com as eleições deste ano.

Ficou evidente mais uma vez que a história, como o tempo, do qual ela é apenas serva submissa, move-se sempre para frente, segundo processo irreversível que não admite retrocesso. É então que, segundo Hegel, se verifica no processo histórico uma verdadeira teodicéia, ou seja, a manifestação da presença de Deus. O que acontece no curso da história não apenas não se faz sem Deus, mas é essencialmente a sua obra. É por isso que cada passo é definitivo e não pode voltar atrás.

Nesta eleição, por exemplo, entrou em vigor a Lei da Ficha Limpa, lei de iniciativa popular, encabeçada pela CNBB. Lei que é um marco na história do Brasil, tanto quanto a famosa Lei Áurea, que libertou os escravos e imortalizou a Princesa Isabel. Graças a ela, doravante, a probidade deixará de ser estorvo ou abstração e passará a ocupar, entre nós, o lugar que lhe cabe, desde sempre, na ordem moral, como o primeiro e o maior dos mandamentos da vida pública. Logo, cessará o divórcio escandaloso entre o povo e as lideranças e far-se-á, afinal, a convergência entre a história e a realidade nacional. E, mais cedo do que se pensa, o Brasil vai realizar em toda plenitude o seu destino de grandeza e tomar assento definitivo entre as grandes potências mundiais.

Quem não perceber ou não entender essa mudança, essa nova realidade corre o risco de ficar contra a corrente e terminar submergido ou marginalizado. O Brasil de antes não volta nunca mais. O Brasil da corrupção triunfante, da impunidade invicta, da ostentação obscena de fortunas bastardas já pertence ao passado. Esse passado vergonhoso, que vem desde os tempos coloniais, onde, segundo o padre Vieira, se conjugava o verbo roubar em todos os tempos, modos e pessoas, esse passado será, a cada dia, a cada instante, sepultado para sempre, cada vez mais fundo, como lixo tóxico, poluidor e deletério.

Prova disso é o caso inédito na história do Brasil, acontecido nesta eleição e digno de todas as nossas aleluias. Políticos notórios, que antes viveram dias de fastígio e de glória, ignorando essa mudança histórica ou nela não acreditando, queriam voltar a todo custo, tangidos pela vã cobiça ou mesmo pela nostalgia irremediável do poder. Foram barrados. Uns nas urnas, outros nos tribunais. Aí estão os exemplos emblemáticos de Joaquim Roriz, em Brasília, Jader Barbalho no Pará, Neudo Campos, em Roraima, Paulo Maluf, em São Paulo e outros menos notáveis.

Para eles o corvo fantástico de Edgar Alan Poe, profeta ou demônio que seja, vai continuar repetindo sem pausa nem fadiga o estribilho infernal de sílabas fatais: “Nunca, nunca mais”.

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