- 26 de novembro de 2024
O sigilo das vítimas
SÃO PAULO - Apesar da cobertura intensa que TVs, rádios, revistas e jornais têm feito do escândalo da Receita, José Serra encontrou um jeito de dizer, na segunda-feira, que parte da imprensa ainda não havia percebido a sua gravidade, mais preocupada com os efeitos eleitorais do episódio do que com a violação dos sigilos, ela mesma. Bem...
Foi José Serra quem transformou o caso na peça de resistência de sua campanha. E isso tem menos a ver com a gravidade do delito (que é real) do que com o sufoco da candidatura tucana (igualmente real).
Se estivesse à frente de Dilma Rousseff, com chances de derrotá-la no primeiro turno, Serra lançaria mão do mesmo expediente? Daria essa mesma visibilidade ao caso?
O fato é que Serra se viu compelido a abraçar a pauta udenista ("a democracia está ameaçada pela delinquência do PT") porque percebeu que, sem ela, suas armas contra o lulismo haviam se exaurido.
O impacto eleitoral do episódio ainda está por ser dimensionado. Registre-se, porém, o seguinte: há 136 milhões de eleitores no país. E há, este ano, algo como 25 milhões de declarantes de Imposto de Renda. Ou seja: "IR" é uma sigla com vago sentido para 80% do povo.
É um dado da realidade social brasileira que tende a beneficiar a candidata oficial, o que não torna a violação do sigilo dos contribuintes -qualquer um- menos repulsiva.
O escândalo enfim levou o presidente da República à TV. Mas ele simplesmente nada disse sobre o descalabro em seu governo, empenhado que estava apenas em vender sua pupila como vítima dos que são "contra a mulher e o Brasil".
Entre o udenismo agonizante da oposição e a patriotada sentimental de Lula não é difícil perceber quem "pode mais" no papel de vítima.
O PT vai empilhando vitórias políticas e derrotas morais. Ou dizer isso perdeu o sentido? Se não violou também a gramática, a esquerda deveria pensar mais a sério na naturalização da corrupção como subproduto perverso do lulismo.