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J. R. Rodrigues

Roraima a terra onde tudo é normal


Roraima a terra onde tudo é normal 

Em Roraima é normal: Pagar milhares de reais para um “professor” ensinar um cãozinho de estimação a falar; Gastar em alguns meses de 2010, R$ 15 milhões com pessoal terceirizado para a educação e no mesmo período o mesmo valor com pequenos consertos de pia, ar condicionado, torneiras, fechaduras, etc.; Por aqui é normal gastar todos os meses milhões de reais com remédios e não ter um esparadrapo, uma  gaze nos hospitais e postos de saúde; é normal gastar milhões para comprar  carteiras e alunos de diversas escolas da capital e interior sentarem no chão.

O boa-vistense se acostumou a ir para o hospital e para o pronto socorro e levar um ventilador e R$ 2 reais para comprar paracetamol, por que isso é normal. Aqui ninguém acha exagerado gastar R$ 5 milhões em alguns dias de arraial, numa festa do Estado, na mesma proporção do arraial da prefeitura que custará R$ 800 mil. Ninguém reclama. Achamos normal pagar R$ 100, R$ 200 mil com cachês de artistas nacionais fora da mídia e dá calote nos artistas locais para não pagar R$ 800, R$ 1.000. Aqui é normal o governador ir trabalhar de helicóptero, num trajeto em que no maior rush não leva nem 10 minutos de carro.

Em Roraima, enquanto faltam medicamentos nos postos de saúde, toneladas de medicamentos são jogadas fora e incineradas, afinal a bola tem que girar, o governo tem que comprar, a empresa tem que vender. Isso faz parte da normalidade da vida cotidiana de Roraima.

O cidadão de Roraima já está acostumado a ver o governador mandar processar jornalistas por que lhe fizeram críticas, mesmo que esse governador  esteja no cargo por acidente. Também é normal o Ministério Público Eleitoral concordar com a censura contra jornalistas e com a aplicação de pesadas multas, afinal o normal por aqui é não denunciar nada. O povo já está acostumado com o fato de que quase todos os meios de comunicação pertencem aos políticos e que hoje, jornalistas, repórteres e apresentadores de programas em rádio e TV, que até pouco tempo tinham uma certa autonomia em denunciar os erros dos governantes, hoje só os bajulam e não tecem uma crítica sequer.

O povo de Roraima já está acostumando a não ter para quem denunciar nada. Não existem comissões de direitos humanos, entidades que deveriam fiscalizar os atos dos órgãos públicos e exigir serviços de qualidade na área de educação, saúde, transporte, etc., estão em silêncio, comprometidas em - alguns casos - com este ou aquele político e quando os dois se juntam a sociedade fica ainda mais desprotegida.

Para nós que moramos em Roraima é normal assistirmos  há mais de um ano propaganda eleitoral antecipada, quem tem emissora de TV e Rádio  faz o que quer, entrevista quem quer, leva a esposa, filhos, genros, etc. para cometerem crimes eleitorais, criticam criminosamente a oposição, mas isso não nos assusta por que é uma coisa normal.

Nenhum jornalista tem coragem de enfrentar a espada da justiça sobre sua cabeça e se insinuar um “ai” contra determinadas autoridades serão impiedosamente processados, condenados e censurados.

O governador do Estado pode coagir servidores públicos e delegar esse poder  para outros assessores, por que coagir as pessoas e exigir que servidores públicos votem neste nesse ou naqueles candidatos é uma coisa normal. Demitir aqueles servidores que “ousarem” enfrentar a “ordem” do governador é uma coisa normal, ninguém reclama. Estamos acostumados com isso, faz parte de nossa cultura.

Tenho 42 anos, 26 dos quais morando em Roraima, há 22 anos vivo de minha profissão de jornalista, fiz direito, passei na OAB, mas se insisto em escrever ou em denunciar algo que não concorde sou perseguido e penalizado. Eu trabalho com políticos e por isso não devo ter voz, o que escrevo é para agradar ao político para quem eu trabalho e para criticar aqueles que não são mais seus aliados. Sou um débil mental, não tenho discernimento, sou burro, não sei escrever. Não posso criticar, estive censurado previamente e hoje estou censurado veladamente. A qualquer hora o governador pode determinar que alguns dos vários bem pagos advogados que trabalham para ele me processem. A justiça vai achar isso normal e os juízes vão me condenar, por que isso é normal. O governador tem que ser uma pessoa incriticável, intocável. É normal em Roraima ninguém criticar o governador e aquelas autoridades que vão chegando em Roraima vão entendendo que isso é normal.

Aqui é normal advogado pedir a censura, as pessoas aplaudem, desembargadores, juízes, promotores concordam com ele. Advogado que defende a censura fica rico, ganha dinheiro, compra televisão, por que em Roraima é normal advogado que defende a censura e processa jornalista ficar rico e comprar emissora de TV.

A eleição está se aproximando, mas já nos acostumamos com autoridades afirmarem que a justiça eleitoral não tem como fiscalizar os abusos cometidos por políticos que compram votos e cometem outros crimes eleitorais. Isso é normal.

Como vivemos numa terra onde tudo é normal, achamos normal qualquer coisa, nada nos assusta, nem nos indigna mais. Assim nosso futuro vai sendo minado, nos últimos oito meses a dívida de Roraima quase triplicou, mas isso é normal, ninguém parou para verificar se os empréstimos de 100, 200, etc., milhões de Reais estão sendo devidamente aplicados. Mal o empréstimo foi aprovado e licitações fraudulentas estavam sendo armadas para “administrar” os milhões que nossos filhos e netos irão pagar. Afinal o governo se endividar sem nenhum critério, contraindo dívidas para serem pagas em 20 ou 30 anos é uma coisa normal em Roraima.

Assim, aceitamos tudo como uma coisa normal, por isso tem sido normal assistir a pandemia de dengue na capital e no interior, em seis meses morreram mais pessoas de dengue do que nos últimos 10 anos, mas isso é uma coisa bem normal.

Ninguém vai reclamar por que um jovem com traumatismo craniano foi transportado como um animal indo para um matadouro, numa picape, sem cobertura, trafegando a 180 Km por hora, debaixo de uma chuva. Ninguém vai ligar se ele sobreviver ou morrer e ele morreu, mas ninguém vai ligar, afinal reclamar não é uma coisa normal.

Os parentes de Ronaldo não vão reclamar seria uma coisa anormal. Parente não reclama quando falta ambulância e um ente querido morre por absoluto descaso por parte dos órgãos públicos.

Neste final de semana, após sofrer um grave acidente de moto no município de Caracaraí, o professor Ronaldo Rodrigues Oliveira, 38 anos, apelidado de Liketi, passou quase duas horas em cima da carroceria de uma caminhoneta pertencente à Secretaria Municipal de Saúde da cidade, uma L-200 de cor Branca, placa NAT – 6012. Ele não resistiu a gravidade dos ferimentos e morreu na manhã desta segunda-feira, 21. Ninguém vai chorar a morte de Liketi, por que chorar implicaria em apontar um culpado e isso seria um absurdo.

Liketi sofreu o acidente por volta das 19 horas e só foi chegar em Boa Vista horas e horas depois, por que os hospitais de Caracaraí não tem nada além da boa vontade de alguns médicos e abnegados servidores. Essa é a realidade normal. Ele foi levado para a unidade de saúde da localidade e devido à gravidade do ferimento, recebeu encaminhamento médico para ser conduzido à capital, mas não tinha ambulância e improvisaram uma picape como se fosse uma “carga” normal e não um ser humano.

Ronaldo faleceu em decorrência de hemorragia interna causada pelas lesões. Ele era casado e pai de duas crianças menores. O corpo foi velado em Caracaraí, por que já é uma coisa normal as pessoas velarem vítimas de descasos do governo e das prefeituras com a saúde pública.

Em Caracaraí o vereador Santos Junior comprou uma ambulância com recursos próprios , por que nem ele mesmo acredita mais nos seus aliados o governador atual e o prefeito daquele município. Ele contratou um motorista e disponibilizou um número de telefone para atendimento em casos de emergência. O vereador mandou colocou um adesivo no carro informando que o mesmo foi comprado com recursos próprios, segundo ele, para que não fique subtendida a utilização de recursos públicos na aquisição. Por que em Roraima não é normal usar recursos públicos para comprar ambulâncias, mas gastar 5 milhões num arraial é uma coisa absolutamente normal.

Santos Júnior também tem medo de ser processado e condenado pela justiça, por isso informou ao  Ministério Público que ele comprou a ambulância por que não agüentava ver mais pessoas doentes sem transporte para vir para Boa Vista. A ambulância de Santos Júnior só não trouxe Ronaldo por que estava socorrendo outra pessoa e chegou atrasada. No funeral de Ronaldo, caso sua mãe ou outro parente passe mal eles poderão chamar a ambulância particular de Santos Júnior, por que é normal no interior de Roraima não haver ambulância do Estado ou dos municípios. Uma jornalista me disse que não tinha conseguido falar com o prefeito de Caracaraí, mas eu achei uma coisa normal. A maioria dos prefeitos de  Roraima não dão nenhuma satisfação sobre a educação, saúde, estradas de seus municípios. Eles não tem medo de críticas, pois se forem aliados do governador ficarão quatro anos tranqüilo, por que os donos da maioria dos meios de comunicação são políticos e vão querer o apoio do prefeito na próxima campanha. Assim a gente vai vivendo em extrema normalidade.

 

* Jornalista e advogado – [email protected]

 

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