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Francisco Espiridião

Relógio? Para quê relógio?


Relógio? Para quê relógio?

Quando ainda não existia celular, todo mundo usava relógio.  Para os mais novos, vale lembrar: o celular, essa geringonça inteligente que, entre outras funções, faz fotografia, acessa a internet, resolve as quatro operações, e, de quebra, ainda funciona como telefone, é tão moderna que nem parece que se popularizou no último quartel do século passado.

Perdão. Todo mundo é exagero. Conheci uns e outros que acreditavam piamente que saber a hora exata não é atributo necessário à arte do bom viver. Para esses, a verdadeira sensação de liberdade implica na recusa de se situar no tempo e no espaço, de saber se é tarde demais ou cedo de menos. Pura pretensão de deixar às claras o inconformismo próprio dos irresignáveis.

Aí chegaram essas maravilhosas máquinas que viciam – tem gente que não sabe viver sem uma delas pendurada aos ouvidos. Algo parecido com o péssimo hábito do fumo. Eu que o diga. Fumante inveterado até os 38 anos, não via a mínima possibilidade de sobreviver sem um cigarrinho entre os dedos. Consumia cerca de 80 Carlton por dia. Se faltavam, faltava-me o ar.

Eu usava relógio, confesso, por necessidade. Devo dizer que me incomodava. Deixava-me meio penso. Para a direita. Era nesse pulso que ele insistia em ficar, apesar de a grande maioria portá-lo no esquerdo. Os destros os usam na esquerda para não expô-los aos choques próprios das atividades do dia a dia. E vice-versa.

O celular acusa a altura do dia e a profundidade da noite, tornando, assim, obsoleto o uso do penduricalho de pulso. E não é que os benditos não desapareceram em função da novidade? Permanecem ali, firmes, nos pulsos daqueles que ousam exibi-los como jóias de valor. Luciano Huck foi subtraído dia desses do seu Rolex.

Já comigo isso não aconteceria. Os dois que tenho hibernam numa caixinha dentro do guarda-roupa.  O valor? Inestimável! Um deles, adquirido a um camelô na cidade de Guayaramerim, Bolívia, em 1978. De tão perfeito, ninguém diz que é pirata. O outro? Comprado no Beco dos Relógios, em Manaus. 5 reais. Mais valiosos, ambos, impossível.

– Ih, que horas são?

– Vê aí no teu celular!

(*) jornalista, autor de Até Quando? (2004) e Histórias de Redação (2009); e-mail [email protected]; blog: www.franciscospid,blogspot.com

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