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Crônica do Aroldo

Assustando a festa


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O auê rolava solto. Aniversário de Paulinho. Oito anos. Cedo, ele começou a receber convivas e presentes. O tema da festa era "O rei do pop", homenagem ao falecido cantor e bailarino americano.
Na sala, os meninos vestiam roupas negras, luvas brancas e, um, ou outro usava chapéu. Com muitas correntes prateadas sobre o corpo, ensaiavam coreografias ao som de Thriller que bombava das potentes caixas de som. Quase todas as meninas estavam caracterizadas de Madonna ou Emmie Winehouse. Aqui, acolá, uma Brithney Spears. O som bate-estaca, canhões de luzes coloridas, globos giratórios, estroboscópicas e a algazarra da gurizada faziam paredes e assoalho tremer.

Tocou a campainha. Maria, a empregada, esquivando-se de dançarinos e evitando pisar em doces e salgadinhos espalhados pelo chão, conseguiu chegar à porta. Abriu-a e quase caiu de costas, tão grande foi o susto.

No corredor, contra a iluminação direta, surgiu uma figura de idade e sexo indefinidos. Androginia pura. As feições misturavam traços de Maga Patalógica, Madame Min e Serguei. Um líquido gosmento escorria do nariz recentemente reconstruído. Ou era efeito de gripe, ou malefícios causados por derivados de papoula. A pele da face, mais esticada do que lona de circo, contrastava com as muitas rugas do pescoço. Seios, volumosos, visivelmente turbinados, em medidas fora do comum, teimavam sair do minúsculo top negro. Igual à música "Carneirinho, carneirão", o bico do peito direito olhando pro céu; o esquerdo olhando pro chão. Entre o fim da blusinha (que terminava muito cedo) e o início da calça ultra rebaixada (que começava muito tarde), a barriga proeminente e mole como geléia deixava celulite e estrias literalmente de fora. Alguns dedos abaixo do umbigo, a renda descolorida de calcinha fajuta que um dia foi encarnada. Teimosos, longos e grossos pelos pubianos se entrelaçavam com os fios de nylon da desgastada peça íntima. A calça jeans, comprada na zona franca guianense de Lethem por R$19,99, de tão justa, dava impressão de ter sido costurada com o corpo dentro; tanto aperto fazia a bunda lutar bravamente contra a força da gravidade. Nos pés, a figura trazia sandálias com longos saltos de acrílico transparente (compradas no Barracão da Gente, mas ela jura que foram adquiridas na Quinta Avenida de "Noviorque").

A visitante tentou abrir a boca. Imensa quantidade de botox aplicado impedia saber se a expressão coberta por pesado batom de segunda classe, carmim-cheguei, era um sorriso ou um choro.

- Quem é, Maria?

Ao ouvir a voz da patroa, a empregada se refez do choque:

- Sei lá, dona Carminha... Acho que é a mãe do Máicon Jéquisson...
 
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