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Crônica do Aroldo

Juiz ladrão!


Juiz ladrão!

 

Tempo de Copa do Mundo. Come-se, bebe-se, dorme-se, sonha-se e respira-se futebol. A duas semanas do início dos jogos, o esporte bretão é assunto em todas as rodas, em todas as mesas. Expectativas, críticas à convocação, a eterna disputa com a Argentina, o medo de equipes pequenas que podem surpreender, o receio de seleções famosas e maceteadas. Enfim, o esporte trazido por Charles Miller para o Brasil é o prato de todos os dias.

Causos. Também surgem muitos causos futebolísticos.

Qualquer cidadão boa-vistense com mais de quarenta anos conheceu Áureo Cruz. Elegante, galanteador, ele era uma espécie de príncipe roraimense. Nascido de família abastada, as poucas vezes em que trabalhou foram para tirar algum proveito social ou paquerativo. Áureo, entre outras coisas, foi diretor e locutor da Rádio Difusora Roraima. Também foi delegado de polícia. Apaixonado por esportes, fazia parte da Federação Roraimense de Futebol e do quadro de árbitros local. Áureo era torcedor fanático do Atlético Roraima Clube.

Estádio João Mineiro, alguma tarde de domingo nos anos 1960. Umas duzentas pessoas ocupavam o palanque coberto ou se aboletavam na cerca que isolava o campo de terra. De terra não; de barro batido. Naquele tempo, não existiam gramados em Boa Vista. O povo esperava o início do clássico: Baré X Roraima. Só havia dois clássicos no Território: ou Baré X Roraima, ou Roraima X Baré.

O primeiro tempo da partida terminou zero a zero. O segundo seguia modorrento. Os atletas suavam a cachaça ingerida no sábado; estavam mais pra tomar água do que para correr atrás da bola. Aos 32 minutos, Roberto Silva recebeu um lançamento e, de trivela, chutou contra a meta guarnecida por Guilherme. Gol!

Áureo Cruz, o árbitro, se desesperou. Ameaçou expulsar o bandeirinha que não marcara o off side¹.  Do reinício do jogo até os 45 minutos finais, o Baré prendia a bola na defesa do Tricolor. A torcida alvi-rubra festejava a conquista do troféu Governador do Território.

Quarenta e seis minutos. O árbitro, sem olhar para o público, deixava a bola rolar. Quarenta e oito..., quarenta e nove..., cinquenta minutos. Abdala Fraxe ameaçava invadir o campo. Aos 57 minutos, Tracajá roubou a pelota do center half² barelista, atravessou o campo e, morrendo de cansaço, chutou contra a meta de Zé Maria. O goleiro escorregou, caiu, e a bola entrou. O árbitro deu um pulo com a mão fechada para cima. Em seguida, recolheu a redonda e apitou o fim da partida. Pronto. A final do torneio ficou transferida para o próximo fim de semana.

Na saída, protegido pelos guardas territoriais Maxixe, Duca, Coivara e Cento-e-seis, o juiz abandonava o estádio. Antônia Mariê, se aproximou, apontou-lhe o dedo e disparou:

- Juiz ladrão!

Áureo, com empáfia, antipatia e imponência, respondeu à torcedora adverária:

- O juiz pode ser ladrão, mas é soberano.

 

off side¹ - Termo inglês para impedimento em futebol

center half² - Termo inglês para cabeça de área (zagueiro central) em futebol

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