00:00:00

Teresa Jucá

As muitas vítimas da violência juvenil


\"\"As muitas vítimas da
violência juvenil

Ao observar e refletir sobre os muitos casos de violência entre jovens em nosso estado sempre me aflige lembrar da quantidade de sofrimento que ela envolve. E dizer sofrimento é uma outra forma de me referir ao custo que esta anormalidade impõe a todos, ao infrator e suas vítimas, às suas famílias e amigos, aos operadores de direitos e políticas sociais, aos educadores, ao sistema de saúde e de segurança. Somos todos vítimas, direta e indiretamente.
Olhando de forma mais imediata, a violência parece custar mais para suas vítimas diretas. O sofrimento causado pela agressão sofrida por um filho, um pai, uma mãe, um companheiro, um vizinho ou um amigo evidencia demais a incapacidade da pessoa de individualmente evitá-la.
Mostra também a vulnerabilidade física de toda pessoa e a obriga a viver com medo. Principalmente, relembra que cada vítima direta da violência não deve ser vista apenas como uma estatística policial, mas como um ser que desempenha um papel social de que dependem outras pessoas. A esposa que perde violentamente o companheiro e o filho que não terá a referência paterna viverão com esses fatos pelo resto de suas vidas. Além dos danos físicos, restam sempre sequelas psicológicas e repercussões nas famílias.
Mas existem também outros custos relevantes.
Muitos profissionais têm seus trabalhos vinculados aos atos violentos. Policiais, jornalistas, profissionais de saúde, assistentes sociais, psicólogos e muitos outros são obrigados a conviver tecnicamente com atos repulsivos, inquietantes e que são evidentes demonstrações de desequilíbrio social. A freqüência das ocorrências traz, às vezes, a sensação de se estar travando uma luta sem fim e sem esperança. Todos estes profissionais, a cada evento, sofrem e se consolam como podem. Algumas vezes, acontece de haver o embrutecimento dessas pessoas, que podem passar a considerar o problema como natural, a agir com indiferença e a demonstrar desesperança trazendo, mesmo inconscientemente, para sua vida pessoal esses sentimentos e valores.
A violência também cobra custos econômicos. Ao ter cada vez mais mortes entre jovens, temos que estas pessoas mortas nunca realizarão o seu potencial na sociedade. Não se formarão para o mercado de trabalho, não gerarão conhecimento e não darão suporte a suas famílias. Todo o investimento que neles foi feito estará irremediavelmente perdido. O atendimento às vítimas da violência impõe gastos ao sistema de saúde, de previdência social, de segurança pública e privada. Todos estes gastos oneram e afetam a qualidade dos serviços prestados.
Penso, diferentemente do senso comum, que talvez uma das maiores vítimas dos atos de violência sejam os seus próprios autores, ainda mais quando se trata de pessoas jovens cujo caráter ainda está em processo de formação e que terão todo o resto de suas vidas afetado pelo estigma do erro cometido.
Em um país onde a sociedade reluta em acreditar na efetividade do processo de ressocialização dos jovens infratores e onde os mesmos são conduzidos a entrar cada vez mais profundamente na vida de crimes, restam limitadas oportunidades daqueles jovens se tornarem "pessoas de bem”, bons filhos e exemplares pais de família. Sem autonomia na roda de suas vidas, os jovens infratores passam a depender, e ser fruto, do tipo de acolhimento que a sociedade lhes dará.
Enfim, pode-se dizer que o maior custo da violência é social uma vez que afeta a crença nas instituições e políticas públicas, com a admissão de comportamentos de exceção, como a violação de direitos dos infratores, justiçamentos ou, simplesmente, exacerbando os preconceitos.
O grande risco disto tudo é tornarmo-nos insensíveis e pensar que podemos tratar a questão da violência de forma distante. Fechar as grades de casa serviria apenas para negar que na rua estão nossos filhos e seus amigos, ou os filhos e amigos de outras famílias que, tanto quanto nós, merecem respeito.
A sociedade como um todo deve estar disposta a enxergar e agir diante da violência juvenil. É necessário ter consciência e refletir sobre esse fenômeno. Mais que alhear os conflitos tratando-os como questões policiais ou judiciais, é preciso desenvolver políticas públicas que favoreçam espaços para a discussão do problema e sua solução participativa, unindo a todos na responsabilidade por nosso futuro.

* Ex-prefeita de Boa Vista detentora do título Amiga da Criança
 

Últimas Postagens