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Pena para estupradores

Magistrados distantes de um consenso


Magistrados distantes de um consenso

Renata Mariz

  • Carlos Moura/CB/D.A Press - 5/10/07
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    Roberval Belinati considera exageradas as punições aplicadas com o antigo texto
     

    O desembargador Roberval Casemiro Belinati, presidente da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, é um defensor da lei modificada que culminou em diminuição de pena para estupradores condenados antes mesmo da alteração legal. Ele considera que as sanções aplicadas pelo texto antigo eram exageradas. “Atualmente, ao revisar tais casos, temos aumentado o tempo pelo estupro e extinguido a condenação pelo atentado violento ao pudor, de forma que a pena final geralmente é fixada entre 8 e 10 anos, um tempo suficiente e adequado, na minha opinião”, explica. Belinati afasta a possibilidade de magistrados, na reavaliação de antigos processos e no julgamento dos recentes, deixarem de considerar condutas diversas da conjunção carnal, praticadas pelo criminoso, na hora de sentenciá-los. “O juiz agravará a pena conforme as circunstâncias do caso. Não vejo risco de os vários atos cometidos serem ignorados”, ressalta.

    Opinião bem diferente tem a procuradora do Ministério Público de São Paulo Luiza Nagib Eluf. “A prática dos nossos tribunais é de sempre aplicar a pena mínima. E quando se aumenta, é muito pouco. Eu sou a favor de penas altas para estuprador”, destaca a procuradora. Um caso concreto ocorrido no DF sugere certa timidez no aumento da punição, conforme mencionou Luiza. O agressor, em 14 de junho de 2003, estuprou, fez sexo anal e oral com uma vítima. Quatorze dias depois, praticou os mesmos atos com outra mulher. No julgamento, o juiz considerou continuidade delitiva entre os crimes. Ou seja, o estupro contra a segunda pessoa era uma continuidade, e não um novo crime. Da mesma forma, o atentado violento ao pudor (na lei da época, caracterizado pelo sexo anal e oral).

    De tal entendimento, chegou-se a uma pena de seis anos pelo estupro da primeira vítima com o aumento de um ano pelo mesmo crime cometido contra a segunda. Com o atentando violento, o raciocínio e a pena foram os mesmos, totalizando 14 anos. Depois da alteração da lei, que aboliu o atentado violento, o juiz Luís Carlos de Miranda, o mesmo que libertou o assassino de Luziânia, Ademar de Jesus Silva, cortou pela metade a pena do agressor, progredindo-o de imediato para o regime aberto (veja na página anterior). Na avaliação da promotora da Vara de Execuções Penais do DF Maria José Miranda, tal caso começou errado desde a primeira instância. “É um acinte considerar continuidade entre crimes com vítimas diferentes. Se fosse com a mesma vítima, poderia até fazer sentido. E o aumento da pena em dois anos pela segunda agredida é outro ponto lamentável”, opina.

    Jurisprudência

    Para o juiz Fernando Barbagalo, o aumento da pena em virtude da continuidade delitiva não passa de paliativo. “O correto é interpretar os fatos como eles ocorreram. Mas há uma grande dificuldade de se debater o tema do crime sexual de maneira aprofundada”, diz. O defensor público no Distrito Federal Michel de Souza Lima pensa da mesma forma. “Embora na minha avaliação tenha sido um avanço fundir os dois tipos penais (conjunção carnal e atentado violento ao pudor), acho ruim a lei falar em ‘atos libidinosos’. Por que não usar palavras diretas, como sexo anal, sexo vaginal, sexo oral?”, indaga. Apesar de poucos casos já terem chegado ao Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, não houve ainda formação de jurisprudência. Para combater o entendimento de crime único, o Ministério Público do DF tem invocado a tese da proteção deficiente (1)do Estado.


    1 - Risco de violações
    Trazida da doutrina e da jurisprudência alemã, a proteção deficiente do Estado é usada quando aponta para uma espécie de garantismo positivo, ou seja, quando a omissão do Estado coloca em risco um direito do cidadão. O próprio STF já se utilizou de argumentação nesse sentido, em 2006, ao julgar o caso de um homem que estuprou uma menina dos 9 aos 12 anos. Quando ela engravidou, o réu constituiu união estável com a criança, o que, pela lei da época, o livraria da acusação. O ministro Gilmar Mendes, na ocasião, ressaltou que deferir o livramento seria “blindar, por meio de norma penal benéfica, situação fática indiscutivelmente repugnada pela sociedade”. A intenção de promotores contrários à tese de crime único após a mudança na lei é que um entendimento sobre assunto seja firmado pelo STF.

     

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