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Amazônia pode diminuir 60%, diz estudo
O aquecimento global e o desmatamento, somados, podem transformar até 60% da Amazônia em cerrado nas próximas décadas. A previsão é de modelos matemáticos que, embora sejam carregados de incertezas, reforçam o alerta sobre os potenciais efeitos da ação humana sobre a floresta -e o resto do planeta. Os dados foram apresentados ontem em Brasília, durante a 3ª Conferência Científica do LBA .

CLAUDIO ANGELO Folha de S. Paulo O aquecimento global e o desmatamento, somados, podem transformar até 60% da Amazônia em cerrado nas próximas décadas. A previsão é de modelos matemáticos que, embora sejam carregados de incertezas, reforçam o alerta sobre os potenciais efeitos da ação humana sobre a floresta -e o resto do planeta. Os dados foram apresentados ontem em Brasília, durante a 3ª Conferência Científica do LBA (Experimento em Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia), a maior reunião científica já realizada para debater o funcionamento do ecossistema. A conferência foi aberta pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que apontou para a necessidade de um "constrangimento ético" sofrido pelo governo e pela sociedade com a divulgação dos números do desmatamento (da ordem de 25 mil quilômetros quadrados ao ano) para que o país acorde para a necessidade de tornar sustentável o desenvolvimento da região Norte. "Não é possível que, com toda a tecnologia, não consigamos lidar com as questões ambientais." Medições realizadas por pesquisadores do projeto mostram que as queimadas estão alterando a formação das nuvens, principais agentes reguladores do clima local. Modelos de computador também indicam que, se a temperatura média do planeta continuar subindo, as chuvas devem se reduzir na região leste da floresta, transformando-a em savana. "O clima esta mudando? Ainda não sabemos", afirmou a física Maria Assunção da Silva Dias, diretora do CPTEC (Centro de Previsões do Tempo e Estudos Climáticos), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Assunção e seu grupo, no entanto, têm mostrado nos últimos anos que os aerossóis vindos de queimadas alteram a microestrutura das nuvens, que se tornam incapazes de gerar chuva. Outro efeito dos aerossóis é reduzir a quantidade de luz solar que chega à superfície terrestre nas zonas afetadas por queimadas. O climatologista Carlos Nobre, do Inpe, apresentou cenários extremos do efeito das secas sobre a floresta. Quatro modelos de cinco analisados por Nobre apontam para a "savanização", ou conversão da mata em cerrado. "A variabilidade entre os modelos é muito alta", diz. Mas "a mudança extensiva na cobertura vegetal [de floresta] para pasto pode levar à savanização". No pior cenário, diz, 60% da mata vira cerrado. E a inércia do sistema é tal que, uma vez disparada a mudança, pode ser tarde demais. "Se você chegar a observar formação de savana, já é um ponto sem retorno". O pesquisador alemão Meinrat Andreae, do Instituto Max Planck de Química, descobriu outro efeito curioso -e potencialmente dramático- das queimadas sobre a química atmosférica: elas produzem gigantescas nuvens que soltam fumaça. Essas nuvens, chamadas pirocúmulos e detectadas em Rondônia em 2002, se formam a partir de partículas muito pequenas de aerossol de queimadas. Tão pequenas que as gotículas que se condensam ao redor delas não precipitam. Diferentemente das nuvens típicas da Amazônia, que são pequenas, produzem chuva e se dispersam, os pirocúmulos são enormes e não se dispersam. Além de "exportar" a poluição para a alta atmosfera, essas supernuvens podem aumentar a quantidade de raios -e, paradoxalmente, produzir tempestades. "Num primeiro momento, localmente, elas suprimem a chuva", disse Andreae à Folha. "Mas, como elas não se dispersam, podem receber mais calor ou ar limpo e precipitar", afirmou. "É como um pneu grande no qual você bombeia ar. Ele demora para encher, mas, quando explode, é com violência." Os efeitos disso sobre o total de chuvas e o clima futuro da Amazônia ainda são incertos, diz o cientista alemão.
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